quarta-feira, 22 de junho de 2011

EDUCAÇÃO PÓS-MODERNA

O RECUO DA TEORIA
Apresentamos abaixo um excerto do trabalho exposto por Maria Célia Marcondes de Moraes (UFSC) no GT – Filosofia da Educação da ANPED de 2001. Após discutir o clima atual de “desmedida confiança nas possibilidades da educação”, Maria Célia propõe uma breve incursão em um debate que os educadores não têm considerado em suas pesquisas e produções acadêmicas, relegando-o ao campo da filosofia. Seu argumento é de que “a discussão teórica tem sido gradativamente suprimida das pesquisas educacionais, com implicações políticas, éticas e epistemológicas que podem repercutir na própria produção de conhecimento na área.
A celebração do “fim da teoria” – movimento que prioriza a eficiência e a construção de um terreno consensual que toma por base a experiência imediata ou o conceito corrente de “prática reflexiva” – se faz acompanhar da promessa de uma utopia educacional alimentada por um indigesto pragmatismo. Em tal utopia praticista, basta o “saber fazer” e a teoria é considerada perda de tempo ou especulação metafísica e, quando não, restrita a uma oratória persuasiva e fragmentária, presa a sua própria estrutura discursiva.
O que teria ou estaria direcionando o movimento que faz prevalecer a empiria e, por conseguinte, marginaliza os debates teóricos no campo educacional? Com certeza, não pode haver uma resposta única para questão assim tão complexa. Aqui nos limitamos, apenas, a indicar algumas pistas. (...) Talvez a causa mais imediata desta marcha-ré intelectual e teórica esteja na definição e efetivação das próprias políticas educacionais, em nível nacional e internacional. (...)
Em linhas gerais, pode-se afirmar que no plano teorético as propostas que desqualificam a teoria têm origem na convicção em torno da falência de uma determinada concepção de razão: a chamada razão moderna de corte iluminista, emblemática das culturas liberais do ocidente, produto de uma burguesia ainda em luta por sua definição e consolidação em face de seu “outro”, feudal, aristocrático. A racionalidade iluminista abrangia e balizava um conjunto de princípios, idéias e práticas reguladoras que lhe permitia auto-representar-se possuindo as condições para estabelecer “a nítida demarcação entre racional e irracional, entre episteme e doxa, entre verdade e erro, entre ciência e não ciência.” (Duayer e Moraes, 1998, p.64). Ademais, acreditava poder assegurar as bases para a lei e a moralidade. Não é de surpreender, portanto, que o desenvolvimento e o cultivo desta “razão” – uma idéia construída em práticas de pensamento e linguagem – tenha se tornado um objetivo educacional prioritário.
A crítica contemporânea, no entanto, desestruturou tudo o que referenciava a soberania de tal concepção de racionalidade. Por esse motivo, as ciências de modo geral, e a educação em particular, não puderam ignorar a crise, uma vez que esta é igualmente a sua crise. Foi preciso, assim, confrontar as novas condições que punham em questão a sua própria legitimidade. Como definir padrões epistemológicos, educacionais, éticos ou políticos se não se dispõe mais da chancela da concepção moderna e iluminista de racionalidade? Como pensar a ética ou o conhecimento sem o suporte de uma subjetividade livre, racional, consciente e dotada de vontade e responsabilidade? Ou de uma inter-subjetividade também racional, consciente e responsável, capaz de justificar seus atos e responder por eles? Como e o que ensinar se todas as interpretações e perspectivas são igualmente válidas e sem referente? Como e o que ensinar se a mudança conceitual repousa na persuasão e não na razão? Se conceitos científicos são apenas mais um entre múltiplos jogos de linguagem?
Mais do que as ciências da natureza que, mal ou bem, são sancionadas por seus sub-produtos tecnológicos, as ciências sociais, particularmente em seu aporte à educação, uma vez perdidos seus tradicionais instrumentos de legitimação, sofreram fortemente o impacto do movimento crítico. Procedeu-se, então, a uma verdadeira sanitarização na tal “racionalidade moderna iluminista”. E, em tal nível, que se verteu fora não só as impurezas detectadas pela inspeção crítica, mas o próprio objeto da inspeção; não apenas os métodos empregados para validar o conhecimento sistemático e arrazoado, mas junto com a água e o balde, a verdade, o racional, a objetividade, enfim, a própria possibilidade de cognição do real. Instaurou-se, então, um mal-estar epistemológico que, em seu profundo ceticismo e desencanto, motivou-se a se pensar além de si mesmo, propondo uma agenda que abriga todos os “pós”, os “neos”, os “anti” e que tais, que infestam a intelectualidade de nossos dias.”


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