segunda-feira, 25 de abril de 2011

Marilena Chauí e a pós-modernidade


                                              Marielena Chauí


Para ampliar nosso diálogo com o grupo trazemos uma importante contribuição da filósofa Marilena Chauí para esse debate acerca da modernidade/pós-modernidade. Para tanto, segue abaixo um excerto da conferência proferida por Marilena Chauí na abertura da 26ª Reunião Anual da ANPED, realizada em Poços de Caldas, Minas Gerais, em 05 de outubro de 2003. Após realizar uma análise crítica das mudanças que vêm ocorrendo na universidade pública Chauí discute a chamada sociedade do conhecimento, bem como seus efeitos sobre a produção acadêmica contemporânea. Em seguida, como veremos abaixo, aborda os efeitos da acumulação flexível do capital pela perspectiva apontada por David Harvey em seu livro A condição pós-moderna (1992), elabora reflexões acerca da ‘era de incerteza’ e da produção artística e cultural na atualidade.
“De fato, examinando a condição pós-moderna, David Harvey analisa os efeitos da acumulação flexível do capital, isto é, a fragmentação e a dispersão da produção econômica, a hegemonia do capital financeiro, a rotatividade extrema da mão de obra, a obsolescência vertiginosa das qualificações para o trabalho em decorrência do surgimento incessante de novas tecnologias, o desemprego estrutural decorrente da automação     e da alta rotatividade da mão-de-obra, a exclusão social, econômica e política. Esses efeitos econômicos e sociais da nova forma do capital são inseparáveis de uma separação sem precedentes na experiência do espaço e do tempo. Essa transformação é designada por Harvey com a expressão compressão espaço-temporal, isto é, o fato de que a fragmentação e a globalização da produção econômica engendram dois fenômenos contrários e simultâneos: de um lado, a fragmentação e dispersão espacial e temporal e, de outro, sob os efeitos das tecnologias da informação, a compressão do espaço – tudo se passa aqui, sem distâncias, diferenças nem fronteiras – e a compressão do tempo – tudo se passa agora, sem passado nem futuro.
Podemos acrescentar à colocação de Harvey que falar do presente, como muitos hoje falam, como sendo a ‘era da incerteza’ indica menos uma compreensão filosófico-científica da realidade natural e cultural e mais a aceitação da destruição econômico-social de todos os referenciais de espaço e de tempo cujo sentido se encontrava não só na percepção cotidiana, mas também nos trabalhos da geografia, da história, da antropologia e das artes. Em vez de incerteza, mais vale falar em insegurança. Ora, sabemos que a insegurança não gera conhecimento e ação inovadora e sim medo e paralisia, submissão ao instituído, recusa da crítica, conservadorismo e autoritarismo.
No caso da produção artística e intelectual (Humanidades), a compressão do espaço e do tempo transformou o mercado da moda (isto é, do descartável, do efêmero determinado pelo mercado) em paradigma: as obras de arte e de pensamento duram uma saison e, descartados, desaparecem sem deixar vestígio. Para participar desse mercado efêmero, a literatura, por exemplo, abandona o romance pelo conto, os intelectuais abandonam o livro pelo paper, o cinema é vencido pelo vídeo-clip ou pelas grandes montagens com ‘efeitos especiais’. Para a ideologia pós-moderna, a razão, a verdade e a história são mitos totalitários; o espaço e o tempo são sucessão efêmera e volátil de imagens velozes e a compressão dos lugares e instantes na irrealidade virtual, que apaga todo contato com o espaço-temporal enquanto estrutura do mundo; a subjetividade não é a reflexão, mas a intimidade narcísica, e a objetividade não é o conhecimento do que é exterior e diverso do sujeito, e sim um conjunto de estratégias montadas sobre jogos de linguagem, que representam jogos de pensamento. A história do saber aparece como troca periódica de jogos de linguagem e de pensamento, isto é, como invenção e abandono de ‘paradigmas’, sem que o conhecimento jamais toque a própria realidade.”
Desse modo, Chauí nos alerta para os efeitos desalentadores relacionados ao paradigma da pós-modernidade no contexto atual.

Sacristán e o Iluminismo

                                          Gimeno Sacristán
Tomando como referência nosso texto de apoio (Boa ventura) bem como o seminário apresentado por João Paulo e Ivone a partir do livro Mal-estar na modernidade, de Sérgio Paulo Rouanet (1993), apresentamos abaixo algumas reflexões realizadas por Gimeno Sacristán, professor da Universidade de Valência, na Espanha, acerca da questão iluminismo e multiculturalismo e suas relações com a educação no contexto atual.
De acordo com Sacristán (2001) o sonho do Renascimento, consagrado principalmente a partir do século XVIII, tinha a racionalidade como subsídio para o progresso humano. O desenvolvimento dessa racionalidade dependia da apropriação de bens culturais pelo maior número possível de pessoas, pois “A grande esperança da modernidade está em que a posse da cultura ‘densa’ aperfeiçoe as faculdades intelectuais e transforme-se em virtude ou guia de conduta, em modo de vida, porque da prática da racionalidade apenas o bem pode acontecer...” (Sacristán, 2001, p. 43). Nesse contexto, a educação ganha destaque, pois é ela que vai possibilitar a apropriação de alguns bens culturais capazes de libertar o ser humano das limitações de sua origem pelo desenvolvimento da racionalidade. Embora o projeto moderno de educação valorizasse a acumulação dos saberes que compõem a “tradição”, não os considerava definitivos e sim sujeitos a múltiplas leituras bem como à constante revisão dos conteúdos tidos como valiosos.  No entanto, se nosso legado cultural – os conhecimentos historicamente produzidos – foi manipulado nas escolas e “Serviu para estimular uma idéia de progresso muitas vezes mutilador do meio ambiente, das pessoas e dos grupos sociais desfavorecidos” (Sacristán, 2001, p. 49), isso não nos autoriza a aspirar ao bem suprimindo a apropriação do conhecimento historicamente produzido e da racionalidade dele decorrente. Nas palavras de Sacristán:

“(...) tudo isso não pode conduzir-nos a um neoprimitivismo ou a um multiculturalismo absoluto em seu relativismo. A mensagem iluminista deve ser refeita a partir de bases mais plurais, com uma geografia mais desencentralizada (...), mas fora dela não temos nada do que partir. O desafio mais importante do futuro é unir os valores universalizadores do iluminismo com a pluralidade de modos de desenvolvê-los a serviço de uma idéia de progresso mais multilateral do homem e mais amplamente democrática.” (p. 49/50) 
Nesse sentido, embora adotando abordagens diferentes, tanto Sacristán como  Rouanet têm uma postura crítica em relação a pós-modernidade defendida por Boaventura em seu artigo.

SACRSTÁN, Gimeno. A educação que temos e a educação que queremos. In: IMBERNON, Francisco et El. A Educação no século XXI: os desafios do futuro imediato. 2. Ed. Porto Alegre: Artes Médicas do Sul, 2001.

sexta-feira, 8 de abril de 2011

Boaventura e a Educação

www.edicoespedago.pt/loja/produto_detalhe.asp?productid=119
Breve resenha do livro abaixo citado.

O texto de Boaventura é uma obra polêmica que versa sobre o tema da epistemologia das ciências sociais , é nesse campo que demonstra que nos encontramos numa fase de transição, estando na fase de existencia de um paradigma dominante, já é possível visualizar um paradigma emergente. Boaventura de Sousa Santos, em sua teoria, infere que o paradigma emergente tem 4 postulados:
    1-Toda a ciência natural é ciência social.
    2-Todo o conhecimento é local e total.
    3-Todo o conhecimento é autoconhecimento.
    4-Toda a ciência visa constituir-se num novo senso comum.

Inês Barbosa de Oliveira, em seu livro “Boaventura e a educação” faz uma referência ao item 1:” Boaventura entende que a distinção dicotômica entre ciências naturais e ciências sociais deixou de ter sentido e utilidade, e a superação dela tende a tornar o conhecimento do paradigma emergente não-dualista, fundado na superação das distinções entre natureza e cultura, natural e artificial, vivo e inanimado, mente e matéria, observador e observado, subjetivo e objetivo, coletivo e individual, animal e pessoa.”(p.27)

Transição de Paradigmas


http://www.4shared.com/get/wgZvCU0H/KUHN_Thomas_S__A_estrutura_das.html


O paradigma dominante baseia-se na teoria heliocêntrica de Copérnico, nas leis das órbitas dos planetas de Kepler, nas leis sobre a gravidade de Galileu e em outras tantas, incluindo a da dúvida metódica de Descartes. Utiliza a matemática como linguagem de análise, baseando deste modo, o conhecimento na quantificação.

Thomas Kuhn, em seu livro “A estrutura das revoluções cientifícas” afirma que :”considero “paradigmas” as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência.”(p.13)

A transição de um paradigma em crise para um novo, do qual pode surgir uma nova tradição de ciência normal, esta longe de ser um processo cumulativo obtido através de uma articulação do velho paradigma. É antes uma reconstrução de área de estudos a partir de novos princípios, reconstrução que altera algumas das generalizações teóricas mais elementares do paradigma, bem como muitos de seus métodos e aplicações. Durante o período de transição haverá uma grande coincidência entre os problemas que podem ser resolvidos pelo antigo paradigma e os que podem ser resolvidos pelo novo. Haverá igualmente uma diferença decisiva no tocante aos modos de solucionar os problemas.”(p.116)

Iba Mendes, no seu blog “humordarwinista.blogspot.com”, sabiamente diz:”As idéias de Thomas Kuhn, sobre a estrutura das revoluções científicas, alcançaram grande ressonância devido ao fato de: abarcarem um campo muito amplo que vai da lógica da descoberta científica à psicologia (e à sociologia) da produção científica; seus conceitos básicos terem suficiente flexibilidade para admitir interpretações as mais diversas. Assim, é preciso considerar que uma mudança de paradigma pode acontecer subitamente, a exemplo daquele “deslocamento” da visão, antes indicado, como também pode acontecer que a formação de um novo paradigma leve muito tempo para se consolidar, o que pode implicar a coexistência de dois ou mais paradigmas num mesmo momento histórico”.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Paradigma da complexidade


Edgar Morin

A leitura do artigo de Boaventura propiciou a lembrança de um pesquisador que tem abordado o tema da emergência de um novo paradigma de modo bastante intenso. Trata-se de Edgar Morin, antropólogo, sociólogo e filósofo francês, autor de vários livros muito difundidos na atualidade, como Os sete saberes necessários à educação do futuro e Ciência com Consciência. Assim como Boaventura, Morin discute a crise do paradigma fundamentado na racionalidade científica da modernidade, apresenta sua concepção do paradigma da complexidade, discute suas características e defende a ideia de que possivelmente estamos vivenciando um período de transição norteado pela emergência desse novo paradigma.  Vale a pena conhecermos alguns trechos do livro Ciência com Consciência (Bertrand Brasil, 1998) uma vez que as ideias de Morin dialogam com as ideias de Boaventura em busca da configuração do paradigma necessário ao nosso tempo.

“O desafio da complexidade nos faz renunciar para sempre ao mito da elucidação total do universo, mas nos encoraja a prosseguir na aventura do conhecimento que é o diálogo com o universo. O diálogo com o universo é a própria racionalidade. Acreditamos que a razão humana deveria eliminar tudo o que é irracionalizável, ou seja, a eventualidade, a desordem, a contradição, a fim de encerrar o real dentro de uma estrutura de ideias coerentes, teoria ou ideologia. Acontece que a realidade transborda de todos os lados de nossas estruturas mentais.(p.191/192)

 (...)

O objetivo do conhecimento é abrir o diálogo com o universo, não só resgatando dele o que pode ser determinado claramente, com precisão e exatidão como as leis da natureza, mas também entrar no jogo do claro-escuro que é o da complexidade. (...)  As grandes unificações (físicas e biológicas) são da maior importância mas não são suficientes para conceber a extraordinária diversidade dos fenômenos e o devir aleatório do mundo. O conhecimento complexo permite avançar no mundo concreto e real dos fenômenos.(p.191)

(...)

O método da complexidade pede para pensarmos nos conceitos, sem nunca dá-los por concluídos, para quebrarmos as esferas fechadas, para reestabelecermos as articulações entre o que foi separado (...) a complexidade é a junção de conceitos que lutam entre si. (...) A complexidade é difícil; quando você vivencia um conflito interno, esse conflito pode ser trágico; não foi por acaso que grandes mentes beiraram a loucura. (...)  Deve-se conviver com essa complexidade, com esse conflito, tentando não sucumbir e não se abater.” (p. 192).



http://www.4shared.com/get/VYFwMScg/MORIN_Edgar_Cincia_com_conscin.html